"Vejo muita gente que tem pernas mas não anda"

O músico gospel Miguel Buila, foi o orador da última edição do projecto “Meu mundo, meu futuro” da Academia BAI, realizada na quarta feira (29 de maio), que teve como tema “Pés para quê? Se posso voar!”

Miguel Buila, músico gospel
Miguel Buila, músico gospel.

Diante de uma plateia formada por jovens, o músico partilhou histórias emocionantes da sua vida.
Exemplo de superação, Miguel Cristóvão Buila, nasceu aos 28 de Setembro de 1984, no bairro Sagrada Esperança (na Comissão do Prenda), em Luanda. Ainda bebé, foi “atacado” pela poliomielite que o deixou paralítico. 
Órfão de pai desde os 4 anos, percebeu que tinha limitações físicas quando começou a ver outras crianças que andavam e corriam, coisa que ele não podia fazer. 
À plateia, o músico contou que teve de se “impor” para estar no meio delas porque sentiu que fazia parte daquela comunidade. “Tinha de convencer aquelas crianças que eu faço parte da vida delas.”
Então, continuou, “se elas podiam jogar a bola com os pés, eu pus na mente delas que eu podia jogar com as mãos”. 
Ainda assim, explicou, a sua limitação física não lhe permitia fazer tudo o que as outras crianças faziam. 
“Tive de me aventurar porque na altura não tinha cadeira de rodas, estudava sem a cadeira de rodas. Nem sequer pensei em culpar os meus pais, a única coisa que tinha em mente era viver. ”
A Comunidade do Espírito Santo, onde aprendeu música e teatro, foi para ele um espaço importante de integração. 
Buila, lembrou, que no INME Marista, onde frequentou o ensino médio, descobriu o movimento carismático e aprendeu mais sobre a manifestação do Espírito Santo. Ali também começou a orar e por ser pessoa de trato fácil, várias pessoas lhe procuravam para dele, receberem conselhos.
Certo dia, recordou, uma senhora lhe pediu para que a ensinasse a ler a Bíblia e a escrever o seu nome. “Foi uma grande vitória, ensinei aquela senhora a ler e ali me tornei explicador de verdade durante alguns anos.” Porque  “estive no INME Marista de bolsa das madres, ajudava a ter mais um bocadinho de dinheiro e ajudar em casa”, declarou.
Nesse período, também nasceu o desejo de começar a ajudar a sua família “a se superar”, referiu. “Lembro que uma vez a minha irmã serviu arroz com feijão, eu disse está bem gostoso. Depois de comermos ela disse: olha, tinha entrado rato na panela, não vos disse porque não tinha mais comida.”
Compreendi que foi sabedoria da minha irmã, disse, que depois se tornou funcionário na área administrativa da Administração da Maianga. 
Afirmação profissional 
Segundo o cantor, “cada vez mais” sentia a necessidade de se afirmar. “Mas como?”, era a questão que se colocava. “Me afirmar dizendo olha eu sou o fulano porque o pai fez isso, eu sou o Miguel porque sou aleijado!”
Como o trabalho na Administração não lhe satisfazia e porque depois se tornou professor, preferiu “ficar só” com o professorado e a música.
Aos presentes, recomendou dedicação, independentemente das escolhas que fizerem na vida. 
Não sei cantar como os grandes, exemplificou, mas sei que uma boa percentagem faço bem.
Algumas pessoas, apontou, não têm noção do que é problema e as vezes criam barreiras para si mesmas, lamentou. 
“Você é o que a graça de Deus vai dizer que és. A primeira graça de Deus é a vida, ninguém vai viver por ti”, exortou e sublinhou que a deficiência física não é impede uma pessoa de viver e sonhar. 
“Eu disse, também quero ter filhos, quero que as pessoas olhem para os meus filhos e vêem-me a mim. Hoje, eu gosto quando os meus filhos me chamam papá”, exaltou.
“Vejo muita gente que tem pernas mas não anda”, deplorou Miguel Buila, que revelou no evento que já pensou em ser padre.
Se hoje é músico gospel, é porque reconheceu que sem Deus nada seria, afirmou e referiu que em Deus busca a sua motivação para viver, porque, frisou, o mundo hoje é teu amigo mas amanhã é o teu maior adversário.
A família, os amigos e irmãos na fé, reconheceu, têm lhe ajudado a prosseguira sua jornada.
Sobre os desafios que enfrentam pessoas com deficiência, defendeu uma mudança de consciência que comece da pessoa afectada. “Nem sempre você vai fazer revolução com as tuas palavras”, avisou e defendeu que em alguns momentos a revolução deve ser feita com atitudes.  Alertou, que a revolução não pode criar contenda. “Tem que criar unidade. Se tiver de haver separação, que seja entre o bem e o mal.” 
Relatou, que aquando da entrega dos prémios Angola Music Awards, não havia rampa de acesso ao palco e a organização estava a demorar para entregar o seu prémio, pelo que decidiu engatinhar até ao palco. 
“Sempre você tem que ter sabedoria para mostrar que és uma pessoa de superação. Imagine numa sociedade como a nossa convidar uma pessoa com deficiência e não ter rampa! A ignorância é um facto, mas a pessoa ignorante nem sempre o é por vontade própria, simplesmente porque as vezes não teve oportunidade de obter informação sobre determinado assunto”, afiançou. 
Por outro lado, observou, as pessoas ainda não sabem como lidar com a deficiência. “Nós é que temos de ensinar essas pessoas a aprenderem a lidar connosco. És seropositivo? Ensine as pessoas a conviverem contigo, mostre que ser seropositivo, pessoa cega ou cadeirante, seja qual for a sua deficiência, não é um problema de todo”, encorajou o músico que reiterou que tudo faz para ser uma influência positiva para as pessoas e deixar um legado positivo. 
 

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