“A Igreja Universal faz comércio do evangelho”

Criou, por sua conta e risco, um canal no youtube, com o nome  “Radical TV”, onde faz, há um ano, denúncias contra a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), por estar a pregar, na sua opinião, o falso Evangelho e a teologia da prosperidade.
Tavares Armando Cassinda, um ex-pastor da IURD, afirma que, “enquanto continuarem como falsos profetas e a extorquirem pessoas, vou ser uma pedra no sapato deles”.
O motivo que está na origem da decisão de abandonar, há nove anos, a IURD, Tavares Cassinda explica na entrevista a seguir, na qual comenta que está, como missionário de Deus, a fazer o oposto, levando, gratuitamente, conforto espiritual e material a aldeias. O gesto ele considera uma redenção por ter, durante sete anos, “enganado pessoas” em nome de uma igreja que “extorque os fiéis e comete outros crimes”.

Tavares Armando Cassinda, um ex-pastor da IURD
Tavares Armando Cassinda, um ex-pastor da IURD

Em que circunstâncias entrou para a Igreja Universal e quantos anos tinha?
Eu era menino quando entrei para a Igreja Universal do Reino de Deus. Comecei a frequentar a igreja da Moagem, no Rocha Pinto, onde vivia. Quando mudei de zona, parei de a frequentar. Quando regressei à IURD, deveria ter entre 10 e 12 anos.
Como chegou a pastor? 
Quando regressei à igreja, inseri-me no Grupo Jovem e, depois de algum tempo, tornei-me obreiro. Fui, depois, enviado para a igreja do Morro Bento como discípulo. A IURD, devido à minha dedicação  e ao espírito de ousadia que tinha, enviou-me, como discípulo, para a Catedral do Alvalade, de onde fui, depois, transferido, em 2002, para a cidade de Saurimo, como pastor auxiliar.
O que o levou a abandonar a Igreja Universal?
Como pastor auxiliar, comecei a notar que a igreja não era aquilo que achava que fosse, quando era discípulo. Achava que igreja era ir às praças pregar e anunciar o amor de Cristo. Quando cheguei a pastor auxiliar, comecei a sentir a responsabilidade da cobrança financeira da igreja. Como pastor auxiliar, percebi que a Igreja Universal do Reino de Deus apenas visa o dinheiro.
A cobrança financeira é feita em reuniões de pastores?
Nas reuniões, actualmente presididas por Carlos Alberto, responsável da IURD em Angola, os pastores que não apresentam resultados financeiros são humilhados e, às vezes, à frente das esposas. Nessas reuniões, os pastores não podem gravar nada. Certos pastores saem da reunião revoltados e, quando chegam às suas áreas de actividade, maltratam os membros (fiéis) da igreja, com campanha atrás de campanha, porque querem passar a imagem de que dão resultados financeiros. Não podem faltar envelopes em todos os cultos. Envelopes de dízimo ou  de alguma campanha que o pastor vai inventar. É uma igreja que extorque pessoas e comete outros crimes, como o branqueamento de capitais. A IURD usa o evangelho para outros fins, o que não é correcto. Em cinco meses como pastor auxiliar, começaram a fazer-me cobranças. E, como dava resultados financeiros, cheguei a pastor titular. Aquilo é negócio! Quanto mais resultado financeiro um pastor der, mais rápido cresce na IURD. Eu cresci muito rápido.
Há uma meta imposta?
A cada igreja e a cada pastor é estabelecida uma meta. Por exemplo, um pastor que está numa igreja de 100 pessoas tem de apresentar mensalmente à liderança dez mil dólares ou mais.
Dólar e não kwanza?
Não se fala muito em kwanza na Universal porque o kwanza na Universal não tem valor. É um motivo para o Estado investigar a Igreja Universal. A IURD precisa de dólares para poder mandar dinheiro para o exterior. O dinheiro é mandado em dólar. O dinheiro resultante das ofertas não é mandado para o banco. É armazenado num cofre-forte e, depois, enviado para o Brasil através de esquemas.
Os artifícios como funcionam?
A IURD envia, por exemplo, 10 pastores ou para a África do Sul ou para a Namíbia, por estarem supostamente doentes, a fim de fazerem consulta. Cada um leva uma quantia e, quando chegam à África do Sul ou à Namíbia, juntam o dinheiro para ser, depois, transferido para o Brasil. A IURD utiliza ainda esposas de pastores que vão para o Brasil e, também, algumas empresas, cujos nomes não vou mencionar. A transferência de dinheiro é trabalho da elite da Igreja Universal. Mas nós sabemos de tudo porque lidamos com esses pastores da elite e muitos deles comentam.
Está a fazer acusações muito graves. Não tem receio de que possa ser processado?
(Risos) Seria um prazer ser processado pela verdade. Se for pela verdade, posso ser processado. Eu sou Tavares Armando Cassinda. Os pastores angolanos com quem trabalhei me conhecem. Eles sabem que nada do que estou a dizer é mentira. Eu estive no meio deles. Não tenho medo de ser processado. 
Como abandonou a igreja ?        
Abandonei a Universal já em Luanda, em 2009, depois de ter regressado de Saurimo, onde fiquei quatro anos. Fui para Saurimo porque o pastor Hélder Gonçalves viu que eu tinha o poder de mobilização. Mas não sabia que, por detrás disso, a igreja, afinal, queria apenas lucrar, queria apenas dinheiro.  É assim que muitos jovens com boas intenções têm sido usados.
Quem o recebeu em Saurimo?
Quem me recebeu em Saurimo foi o pastor Tiago Paulo, que me indicou, cinco meses depois, para o cargo de pastor titular. Depois do meu regresso a Luanda, fui transferido para a igreja do Zamba I, no Cazenga, onde fiquei como segundo pastor. Inicialmente, trabalhei com o pastor Maurício e, mais tarde, com o pastor Pedro Cabeça, numa altura em que surgiu a campanha “Fogueira Santa de Israel”, que é a galinha dos ovos de ouro de Edir Macedo (líder mundial da Igreja Universal). Ele ama esta campanha por ser a de maior arrecadação de dinheiro. “A Fogueira Santa de Israel” é realizada duas vezes por ano. A segunda edição acontece sempre em Dezembro por causa do décimo terceiro. Eles são estrategas. Abandonei a Universal porque vi que estava a ser usado como instrumento para poder dar dinheiro à igreja.   
O que aconteceu exactamente para tomar a decisão de sair?
Abandonei a Universal quando já estava na igreja do Golfe II, junto à Igreja Maná, onde fiquei como pastor principal com direito a um auxiliar. Quando cheguei à igreja do Golfe II, o “leão” era de 50 mil dólares. Numa reunião, realizada no condomínio pastoral, o bispo João Leite disse-me assim: “Armando, se você conseguir um “leão” de 50 mil dólares, mando-te casar, libero o seu casamento”. Nessa fase, já era noivo de uma obreira. Não  concordei com o pedido do bispo. Vi que estava a ser usado como instrumento para poder dar dinheiro à igreja. Decidi pegar nas minhas coisas e fui embora para a casa do meu pai. Abandonei a igreja num domingo. 
O que se entende por “leão”?
“Leão” é a meta máxima alcançada por algum pastor numa “Fogueira Santa de Israel”, na igreja onde trabalhou. Por exemplo, se um antigo pastor arrecadou um milhão de dólares, o novo pastor tem de arrecadar um valor superior àquele. O novo pastor não pode arrecadar menos do que foi arrecadado pelo pastor anterior. Não pode deixar cair esse valor, se não quiser ser humilhado na reunião de pastores. O pastor fracassado é transferido para uma outra igreja, com poucos membros e poucas condições. É assim que funcionam as metas da Igreja Universal. Portanto, existe uma meta do mês e uma meta “leão” para a “Fogueira Santa” de Israel. 
É verdade que os pastores na condição de noivos são obrigados a fazer vasectomia? 
É verdade. Todos os pastores sabem disso. São doutrinados nesse sentido. Sabem que, se um dia casarem, têm que fazer, primeiro, vasectomia. 
Quando se tornou noivo, a igreja pediu-lhe para fazer vasectomia?
Não quero ser hipócrita. Nunca me foi mandado fazer vasectomia. Mas tenho a certeza absoluta de que me mandariam fazer vasectomia. A vasectomia não começou agora. Trabalhei com vários pastores que fizeram vasectomia. Há pastores que se arrependeram depois de terem feito vasectomia. 
Tem contactos dentro da Igreja Universal do Reino de Deus?
Conheço pessoas que me mandam informações como um grito de socorro. Os pastores e bispos dependem exclusivamente da igreja. Muitos não têm o ensino médio concluído nem profissão. 
Os pastores da Universal têm formação teológica?
Os pastores da Igreja Universal não conhecem a bíblia teologicamente. Têm um conhecimento superficial da Bíblia. São aventureiros, curiosos. Nenhum pastor é formado em Teologia. O importante na Universal é persuadir as pessoas, convencer as pessoas. Tanto é assim que há pessoas que eram ladrões e hoje são pastores. É por isso que encontramos pastores que só sabem falar de dinheiro, nas suas pregações. A Igreja Universal vende milagres.
Conhecia a Bíblia quando esteve na Igreja Universal?
O que me levou a abandonar é o facto de eu ter investigado a Bíblia.
Por que razão a Igreja Universal dá ênfase à “teologia da prosperidade”?
A Universal dá ênfase à teologia da prosperidade porque, através da teologia da prosperidade, atrai pessoas materialistas. A maior parte das pessoas que frequentam a Universal vai em busca de dinheiro, de bens materiais, e, por essa razão, acaba por ficar  presa às suas ambições.
As “curas milagrosas” na Igreja  Universal existem ou são uma farsa?
Milagres existem. O facto de ser ex-pastor não significa dizer que tenho de dizer algo que não corresponda à verdade. Algumas pessoas são curadas pela fé que manifestam. A Bíblia fala que todos aqueles que mencionarem o nome de Jesus, crendo, receberão a bênção. Mas, para a maioria dos milagres, a Universal contrata actores. São falsos milagres.
É verdade o que está a dizer?
A Igreja Universal trabalha com actores para fazerem simulação. A maior parte dos milagres mostrados pela Igreja Universal são milagres falsos. Não é só a Igreja Universal que faz isto. Há outras denominações que também trabalham com actores porque são os testemunhos que trazem as pessoas para as igrejas. 
A sua transferência para Saurimo não se deve a uma eventual má conduta em Luanda?
A minha ida para Saurimo não foi por má conduta. Fui para Saurimo por livre e espontânea vontade. Ou seja, voluntariei-me. Estavam à procura de pastores para irem pregar o Evangelho em Saurimo. Os pastores que estavam na Catedral do Alvalade queriam continuar a pregar em Luanda e não no interior do país. Voluntariei-me não por ter uma conduta reprovável, mas porque queria salvar almas. Eu sabia que, em Saurimo, havia pessoas sofridas, que precisavam de receber o evangelho de Jesus Cristo.
Diz-se que o seu regresso a Luanda, depois de quatro anos em Saurimo, foi por ter engravidado uma obreira. 
O meu regresso a Luanda não foi por ter engravidado uma obreira. Isto é calúnia! Isto não aconteceu! E, se alguém tentar insistir na calúnia, tem que provar em tribunal, porque vou processá-lo. Tem que trazer a obreira para ela dizer que a engravidei. Isto nunca aconteceu comigo. Nunca me envolvi sexualmente com mulheres na Igreja Universal. Fui enviado para Luanda pelo bispo Paulo Rosa, que, na altura, era pastor, para noivar. Eu vim noivar. E, depois do noivado, mandaram-me para a igreja do Zamba I para trabalhar com o pastor Maurício. Depois do Zamba I, enviaram-me para o Golfe II, como líder de uma igreja grande. Um pastor com má conduta, que tenha engravidado uma obreira, nunca ficaria responsável por uma igreja grande. Esta calúnia não passa de escudo para tentarem tirar o foco daquilo que é a denúncia que tenho feito.
Fonte: JA

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